Os mosquetões HMS no resgate
Por Jean-Michel SALMON, 7 outubro de 2019
Pergunta: De modo a dissipar as dúvidas de alguns resgatistas, a CVT (Cellule de veille technique – Grupo de Avaliação Técnica do SSF) pode esclarecer a posição do Espeleo Socorro Francês (SSF – Spéléo Secours Français) quanto à utilização dos mosquetões tipo HMS no contexto específico do espeleorresgate? Devemos ou não devemos utilizá-lo? Obrigado.
HMS, “Halb Mastwurf Sicherung” em alemão e “Half Middle Snap” em inglês, é um nome que se aplica aos mosquetões projetados para acomodar nós volumosos como o UIAA (também conhecido como demi-cabestan ou nó italiano). Trata-se de um tipo específico de mosquetão, definido pela norma, classificado como tipo H (às vezes chamado de “classe H”) aplicável aos mosquetões desenvolvidos para utilização com nós de frenagem que permitem e facilitam a inversão destes nós graças a sua forma simétrica (ou quase simétrica) e grande largura.
Devido a sua forma alargada, mosquetões do tipo HMS são naturalmente mais frágeis que a maioria dos outros mosquetões. Eles são, sobretudo, projetados para um uso dinâmico onde são parte ativa do dispositivo de frenagem empregado. Este tipo de mosquetão não se destina a trabalhos sob carga estática ou a sofrer fortes esforços mecânicos sobre ou próximo ao seu dedo de abertura. Para resumir, antes de entrar em detalhes, o SSF proíbe o uso de mosquetões HMS em duas situações de resgate bem específicas:
- na cabeça da maca;
- como mosquetão principal de um repartidor de carga.
Recomendações do Espeleo Socorro Francês em relação a mosquetões
Cabeça da maca
No Manual do Espeleorresgatista (original francês de 2005, versão em português de 2017) o SSF não recomenda nenhum tipo específico de mosquetão para a cabeça da maca mas indica simplesmente o uso de mosquetões de trava automática (preferencialmente aqueles que requerem dois movimentos para liberar a abertura). Este tipo de fechamento é mais eficaz na prevenção de uma abertura indesejada em particular quando o mosquetão é submetido a algum atrito ou alguma tração contínua.
É importante considerar que um mosquetão na cabeça da maca pode, além de ser submetido a atritos expressivos, ser obrigado também a suportar esforços em alavanca significativos. Pode também, com frequência ainda maior, ser submetido a trações em diversas direções (corda de tração/freio de carga) fazendo, em certas situações, que alguma destas forças seja aplicada diretamente no gatilho do mosquetão.
Esses fatores levam o Grupo de Avaliação Técnica do SSF a recomendar o uso de mosquetões do tipo K na cabeça da maca pois:
- estes mosquetões têm resistência e forma superiores à média;
- aceitam esforços em alavanca em condições desfavoráveis.
Atenção! O mercado oferece mosquetões tipo K com dois tipos diferentes de trava:
- automática por pressão (um só movimento para abertura, o tipo mais comum): este não é suficientemente seguro para o uso na cabeça da maca,
- automático com trava de dois movimentos: este tipo, bem menos frequente no mercado, é o que deve ser usado no resgate para garantir uma confiabilidade adequada a conexão principal da maca.
No centro de um repartidor de carga
Em um repartidor de carga um mosquetão é usado para unir os três pontos de ancoragem. Ele deve ser seguro e poder se mover livremente. O Grupo de Avaliação Técnica define que deve-se atentar para os seguintes fatores na escolha do mosquetão principal de um repartidor de carga:
- Dar preferência a mosquetões assimétricos tipo B (os chamados comumente de “tipo D” no Brasil) ou tipo T[1] que naturalmente facilitem o posicionamento das trações aplicadas nos pontos mais resistentes do mosquetão.
- Dar preferência para um mosquetão com a base mais estreita de maneira a estimular que as várias alças da corda do repartidor sejam pressionadas, umas contras as outras, garantindo assim uma frenagem mais eficaz reduzindo o impacto final da reacomodação do repartidor em caso de ruptura de um dos pontos de ancoragem do repartidor.
- Dotado de uma trava confiável, ou seja, que não impeça a abertura do gatilho mesmo que tenha sido travado manualmente com o sistema em operação, ainda que sob tensão.
Estes sistemas são, em geral, utilizados para receber uma extremidade de uma tirolesa, um guincho (palan), um contrapeso, um balancim ou qualquer outro sistema utilizado no deslocamento da maca, que pode sofrer grandes tensões durante sua operação. Nestes casos, é evidente que nenhum tipo de tensão em alavanca sobre o mosquetão principal é recomendável ou aceitável.
Em qualquer uma das situações – seja na cabeça da maca ou como mosquetão central do repartidor de carga – o uso de um mosquetão tipo H (em forma de pêra, seja ele mais assimétrico ou menos) é completamente proibido pelo SSF. Em particular devido à pequena inclinação que os mosquetões HMS apresentam em sua parte mais larga, não garantindo que a tração se dê no eixo ideal do mosquetão.
Neste vídeo a ancoragem apresenta um desalinhamento do eixo de tração aplicado ao mosquetão HMS conectado ao ponto de ancoragem da esquerda. Este mal posicionamento resulta na ruptura do mosquetão em questão com somente 1.240 DaN, um valor bem abaixo da resistência prevista nas normas aplicáveis. Observar que o resultado é sempre o mesmo: ruptura do HMS que sofra tensões fora de seu ponto ideal, não importando a marca ou modelo do mosquetão HMS usado nos testes.
Se desviamos um mosquetão HMS do seu uso normal para outro onde seja o mosquetão principal do repartidor de carga em um sistema submetido a alta tensão (tirolesa, guincho, contrapeso, etc.), sujeitamos este único mosquetão à força estática total do sistema que pode ainda ser ampliada com a carga extra de um possível controlador suspenso ou de qualquer outro sistema adicional (polia de retorno, membro adicional da equipe, etc.) que será também exercida sobre este mesmo mosquetão principal. Além disso há também o risco de aplicar cargas adicionais deslocadas em direção ao gatilho do mosquetão HMS, região onde a resistência deste tipo de conector, classificado como tipo H, é particularmente baixa, muito mais baixa do que nos mosquetões tipo B ou T.
Informações adicionais[2]
Em matéria de conectores a Certificação EN 12.275:2013 define que há sete tipos de conectores: B, H, K, A, T, Q e X.
Durante as atividades, é importante estar atento a indicação do tipo de conector a ser usado o que, infelizmente, não é sempre fácil de identificar. Para os mosquetões tipo B e T não é obrigatório que o tipo esteja marcado diretamente no mosquetão, bastando que a documentação que acompanha o equipamento indique qual seu tipo.
Mosquetão: um dispositivo que pode ser aberto, que permite que o usuário se conecte direta ou indiretamente a uma ancoragem ou conecte peças de equipamento. Nesta norma, o termo genérico conector é usado para incluir itens que não são mosquetões, mas fazem um trabalho semelhante, como por exemplo o quicklink ou maillon rapide.
Classificação de conectores (EN 12.275:2013)
Mosquetão básico (B)
Mosquetão de uso geral com fechamento automático do gatilho, com ou sem trava, para uso em um sistema de segurança.
Esses mosquetões são geralmente assimétricos e com trava para nossos usos em resgate. Eles têm uma inclinação muito acentuada, que, sob tensão, tem o efeito de conduzir naturalmente a corda para próximo à espinha do mosquetão. Dessa maneira, garante que a força seja exercida na parte mais forte do mosquetão, na posição mais favorável.
Conector de fechamento rosqueável ou malha rápida (Q)
Conector com sistema de fechamento através de movimento de rosca que, quando totalmente parafusado, é responsável pelo suporte de parte da carga aplicada ao conector.
Não usado em resgate, eles não são tratados aqui.
Mosquetão HMS (H)
Mosquetão com fechamento automático do gatilho, com ou sem trava.
Como já mencionado, esse tipo de mosquetão, HMS, tende a ser mais frágil do que a maioria dos outros tipos, não sendo particularmente adequado para nossos usos em resgate. O SSF proíbe o uso desse tipo de mosquetão como mosquetão central em um repartidor de carga ou na cabeça da maca.
Mosquetão oval (X)
Mosquetão com fechamento automático do gatilho, com ou sem trava, e formato simétrico.
Estes mosquetões, por sua forma simétrica, afastam naturalmente o nó da parede quando o mosquetão está apoiado nela. Eles orientam melhor os equipamentos, como uma polia fixa ou uma polia de bloqueio de peça única, de forma que se alinhem na direção de seus eixos ideias de trabalho. Esses mosquetões, no entanto, têm a característica de serem menos resistentes, com os gatilhos abertos, do que mosquetões assimétricos do tipo B de mesmo diâmetro.
Mosquetão Klettersteig (K)
Mosquetão com fechamento automático do gatilho, com trava automática, para uso em um sistema de via ferrata (klettersteig).
Estes mosquetões tem formato e resistência tais que permitem suportar forças desfavoráveis em alavanca.
Atenção: a maioria dos mosquetões tipo K conta com travas automáticas de acionamento por simples pressão para baixo (movimento único). Este tipo de fechamento não é adequado para uso na cabeça da maca.
Têm uma abertura mínima de 16 mm e contam com uma resistência mínima de 25 kN ao longo de seu eixo principal quando com seu gatilho fechado. A UIAA solicita um teste de resistência adicional de 8 kN quando é colocado sobre uma aresta angulada, simulando uma tração em alavanca.
Observação: de acordo com a norma, o fabricante não é obrigado a especificar a resistência com o gatilho aberto dos mosquetões do tipo K. Esta é uma peculiaridade deste tipo de mosquetão.
Mosquetão posicionador de corda (T)
Mosquetão com fechamento automático do gatilho, com ou sem trava, projetado para garantir o eixo de tração em uma direção predeterminada.
Estes mosquetões são ligeiramente assimétricos. Com diâmetros equivalentes, são mais resistentes que os mosquetões em forma de pêra (tipo H) porque, nos modelos tipo T, a tração é exercida o mais próximo possível do eixo longo do mosquetão.
Mosquetão especial (A)
Mosquetão com fechamento automático do gatilho que fecha quando entra em contato com um parafuso.
Não usado em resgate, eles não são tratados aqui.
Exemplos de mosquetões adequados ou não para a cabeça da maca
AM’D Petzl
EN 362 : 2004 tipo B (básico), EN 12275 : 2013 tipos B (básico) e H (HMS)
Por não ser do tipo K, não é um mosquetão adequado para uso na cabeça da maca.
Por outro lado, é compatível e adequado para uso como mosquetão principal de um repartidor de carga, como todos os outros modelos do tipo B que contem com trava manual ou automática.
Vertigo Twist-lock Petzl
EN 12275 tipos B (básico) e K (via ferrata)
Tipo K, é um mosquetão ideal para a cabeça da maca, também compatível como mosquetão principal de um repartidor de carga.
Ferrata Auto Block / Ferrata Twist Lock
EN 362 tipo B (básico), EN 12275 tipo K (via ferrata)
Tipo K, é um mosquetão ideal para a cabeça da maca, também compatível como mosquetão principal de um repartidor de carga[3].
Links
EN 12275:1998 – http://www.paci.com.au/Downloads/S-EN12275_simplified.pdf
EN 12275:2013 – https://media.edelrid.de/images/attribut/EN_12275.pdf
Tradução de Les mousquetons HMS en secours e atualização para EN 12.273:2013 por Rodrigo Severo (SER 183DF15) em 18/4/2020
Notas
1. N.T.: O texto original faz menção a mosquetões tipo D, uma nomenclatura usada na norma EN 12.275 de 1998. Em sua versão de 2013, a EN 12.275 passou a chamar os antigos mosquetões tipo D de tipo T. Os mosquetões chamados de “tipo D” no Brasil são mosquetões tipo B de acordo com a EN 12.275 tanto em sua versão de 1998 quanto em sua versão de 2013.
2. N.T.: N.T: Esta seção do texto foi atualizada para apresentar as informações da versão 2013 da EN 12.275.
3. Deve-se observar que esses mosquetões, aqui indicados como compatíveis com o uso como mosquetões principais em repartidores de carga, não são os usados mais frequentemente neste tipo de situação. Os mosquetões deste tipo costumam ser mais caros, havendo poucos modelos com travas automáticas em dois movimentos, além de serem mais pesados e muitas vezes menos práticos durante o uso (manuseio e giro) do que os modelos do tipo B. Estes sim, são perfeitamente adequados para esta utilização, quando equipados com algum tipo de trava.