Longes na Espeleologia

Por: Luiz Lo Sardo Neto — SER 100SP12

A longe possui uma infinidade de denominações como: solteira, rabo de vaca, cowstail entre outras. Sua função é garantir a progressão segura do espeleólogo nas mais variadas situações tais como ascensão, corrimão, ancoragem, fracionamento, etc. Entender suas propriedades e características é fundamental para uma progressão segura.

A principal característica da longe na espeleologia é a sua forma, um “Y” assimétrico. Ou seja, as pontas possuem diferentes tamanhos, podendo ser independentes ou não. O mercado oferece algumas opções manufaturadas, embora a grande maioria dos espeleólogos confeccione sua longe com cordas dinâmicas. Será que essa é a melhor opção? O objetivo desse artigo é apresentar informações detalhadas que podem auxiliar na escolha desse EPI. 

 A espeleologia é uma atividade segura, desde que os praticantes utilizem as técnicas e materiais adequados e atentem à fragilidade do corpo humano. Uma das principais preocupações é minimizar os valores de força de choque em possíveis quedas. O impacto máximo que uma pessoa suporta está entre 600 a 1200 daN: 

  •  600 daN: Força máxima que o corpo humano deveria suportar sem lesões; 
  •  800 daN: Pode produzir lesões em músculos e tecidos; 
  • 1200 daN: Pode produzir lesões no organismo humano; 
  • 1500 daN: Resistência mínima nos sistemas de segurança.

Nos próximos parágrafos serão apresentadas as características das principais longes, os nós mais utilizados na confecção delas, mosquetões recomendados e, em seguida, alguns resultados dos ensaios realizados pela Federação Francesa de Espeleologia (FFS) em 2006.

As principais longes manufaturadas

Spelegyca

Fabricada em nylon, resistência de 15 kN, tamanho das pontas (32/58 cm), certificações CE/UIAA

  • Prós: boa resistência a abrasão, não encharca, possui clip para posicionar os mosquetões. A dissipação da energia, em caso de queda, acontece com rompimento das costuras, formando um elo no final.
  • Contras: não é possível ajuste para a morfologia do praticante, possibilidade de perda ou desgaste do clip (por segurança é necessário a substituição ou fixação com uma goma, por exemplo).

Observações

Testes realizados pela FFS para 80 kg, demonstram que o rompimento das costuras não é completo e satisfatório, tanto para FQ 0,5 quanto para FQ 1:

  • FQ 0.5: Poucas costuras romperam.
  • FQ 1: Somente as costuras da ponta utilizada chegaram a romper.
  • FQ 1: Com as duas pontas conectadas simultaneamente na ancoragem: a força de choque é muito elevada: 14,76 kN. O motivo é a própria construção, para absorver a energia. Em uma eventual queda, ocorre suscetíveis rompimentos das costuras, até formar um elo. Com as duas pontas ligadas a ancoragem, as costuras rompem, porém, dissipação é circular, produzindo um deslocamento de apenas 15 cm, impedindo uma boa dissipação de energia. 
  • FQ 2: ponta longa ou curta com valores máximos de 12 kN (rompimento completo das costuras, dissipando a força dentro dos valores da norma EN 354).

Y Aro Speleo

Fabricado em dyneema, 13 mm de largura, resistência 22 kN, três tamanhos (40/25, 50/30, 60/30 cm). Normas EN 354, EN 566, EN 358, EN 795/B.

  • Prós: muito resistente a abrasão, não encharca, leve, pontas com reforço e possui clip interno para posicionar o mosquetão.
  • Contras: apesar dos três tamanhos, pode não possuir ajuste correto para o espeleólogo

Observação

Até o fechamento do artigo, o fabricante não respondeu sobre testes e dissipação do modelo, contudo ela atende à EN 354.

Jane / Dina Pro 8

Corda dinâmica 11 mm, pontas costuradas, clip para posicionamento do mosquetão e proteção a abrasão. Norma EN 345.

  • Prós: confeccionadas com corda dinâmica, três tamanhos na Jane (60/100/150 cm) e na Dina 160 cm.
  • Contras: pode não atender a morfologia do praticante, uma das pontas pode ficar desajustada. A costura nas pontas diminui a dissipação da força em caso de queda.

Petzl Adjust

Confeccionadas com corda dinâmica, UIAA 109: Duo Y ponta fixa 65 cm e outra ajustável para 15/95 cm.

  • Prós: Instalação rápida no harnês (podendo ser boca de lobo), ponta fixa que atende à norma EN 354, o mosquetão fica posicionado em ambas as pontas.
  • Contras: ponta ajustável não atende à norma EN 354, eventual sobra da ponta ajustável pode atrapalhar, cabo fixo 65 cm. A costura na ponta fixa diminui a dissipação da força em caso de queda.

Camp Swing e Petzl Adjust Conect

Confeccionadas com corda dinâmica, ponta única.

  • Prós: concorrentes próximas, fácil instalação e desinstalação ao harnês, fácil ajuste da ponta, mosquetão permanece posicionado.
  • Contras: não atendem à norma EN 354.
  • Camp: ajuste 20/100cm
  • Petzl: ajuste 15/95cm

Observação

Pode ser utilizada como terceira longe eventual, facilitando várias manobras. A instalação na malha pode ser por um nó boca de lobo.

Confeccionada com corda dinâmica

É a opção preferida pela maioria dos espeleólogos. Atende à norma EN 354, diâmetro sugerido 9 mm.

  • Prós: ajustável à morfologia do praticante, tem desempenho melhor em quedas em comparação as manufaturadas (os nós ajudam a dissipação), mais barata e versátil.
  • Contras: verificação e substituição com maior frequência.

Nós utilizados nas longes

De acordo com os testes da FFS realizados em 2006, a escolha da combinação de nós tem pouca influência em caso de queda. Outro dado interessante refere-se aos nós cruzados (sem estética), que também não demonstraram diferenças significavas. 

Nós mais utilizados

  • Os nós oito e aselha são os preferidos na conexão com a malha meia lua do harnês, que alcançaram os melhores resultados em testes de queda. 
  • Nas pontas é quase unânime a utilização meio pescador duplo porque, além de obter o melhor resultado nos testes, facilita o posicionamento do mosquetão. 

Melhor diâmetro

  • O diâmetro das cordas tem pouca interferência nos valores em caso de queda. As muito grossas 10mm, 11mm por exemplo,  ocupam espaço na malha e incomodam. As inferiores a 9 mm tendem a alongar mais sobre tensão, dificultar as manobras e o  desgaste pode ser precoce, exigindo trocas mais frequentes. Portanto, a preferência, referida na literatura, é pelas cordas dinâmicas com diâmetros próximos aos 9 mm.

Ajustes do tamanho

  • Ajustes efetuados após tensão são mais eficazes e recomendados.
  •  São necessários dois metros ou mais de corda dinâmica, de preferência nova e de boa qualidade.
  • Longe curta: deve possuir comprimento necessário para fazer a conexão confortável ao fracionamento durante a subida.
  • Longe longa: o espeleólogo deve alcançar o camé do blocante de mão quando estiver suspenso.
  • Sobra dos nós: a recomendação é de pelo menos 7 cm de sobra, ajustada após tensão. Sempre verifique e pré tensione seus nós, principalmente o ½ pescador duplo da longe.

Manutenção e atenção

  • Cordas novas precisam de acomodação dos filamentos para melhorarem suas características. Nos testes da FFS, as longes sem uso obtiveram resultados um pouco inferiores se comparados com longes em uso. 
  • Dependendo da intensidade de utilização, a substituição deve ocorrer no máximo a cada 3 anos.
  • Desatar os nós e armazenar distante de poeira e luz prolonga sua vida útil.
  • Verifique abrasões, desgaste, desalinhamento e os nós antes de cada utilização.
  • Em caso de queda importante, substitua sua longe.

Mosquetões recomendados

  • O espeleólogo necessita de segurança em caso de quedas e durante a progressão, agilidade para transpor corrimãos, facilidade para passar fracionamentos e ter a possibilidade de executar manobras sobre carga. 
  • A recomendação da SER para os mosquetões das longes são:
    •  Assimétricos, tipo B, comumente chamados no Brasil de “tipo D”;
    • Resistência superior a 20 kN;
    • Key Lock (sem dente na extremidade);
    • Sem trava;
    • Gatilho reto, evite gatilhos curvo ou de arame (pois podem abrir com mais facilidade).

Resultados de testes 

Vemos a seguir a transcrição de resultados de alguns dos testes realizados pela FFS em 2006.

A maioria dos valores apresentados nesse artigo foram calculados pela média de cada teste. 

Spelégyca

Corda PontaTamanho FQ Força
SpelégycaCurta32 cm 0,5557 daN
SpelégycaLonga60 cm 0,5595 daN
SpelégycaCurta32 cm11154 daN 
SpelégycaLonga60 cm 1044 daN
SpelégycaDuas Pontas conectadas11527 daN
SpelégycaCurta32 cm 1 real1003 daN
SpelégycaLonga60 cm 1 real918 daN

Longes manufaturadas (corda dinâmica costurada nas pontas)

Corda Nós Tamanho FQ Força
Jane 11 mmOito + Costura na ponta61 cm 711 daN
Camp 9 mm Oito + Costura na ponta32 cm 725 daN
Camp 9 mm Aselha + Costura na ponta32 cm 759 daN
Millet 11 mmAselha + Costura na ponta33 cm 782 daN
Jane 11 mmAselha + Costura na ponta38 cm 746 daN
Camp 9 mm (costurada duas pontas)Costura + Costura58 cm1871 daN

Cordas de diferentes diâmetros, tamanhos e marcas. Nó oito central e ½ pescador duplo nas pontas

Nós Tamanho FQForça 
Camp 11 mm Oito + ½ Pescador duplo59 cm 542 daN 
Camp 11 mm Oito + ½ Pescador duplo39 cm 528 daN
Camp  9mm Oito + ½ Pescador duplo55 cm 590 daN
Camp 9 mm Oito + ½ Pescador duplo42 cm 574 daN
Beal Verdon II 9 mm Oito + ½ Pescador duplo60 cm 566 daN
Beal Verdon II 9 mm Oito + ½ Pescador duplo60 cm 571 daN
Beal Ice Line 8.1 mm Oito + ½ Pescador duplo55 cm 588 daN

Cordas de diferentes diâmetros, tamanhos e marcas. Nó aselha central e ½ pescador duplo nas pontas.

Corda Nós Tamanho FQ Força
Camp 11 mm Aselha + ½ Pescador duplo64 cm 596 daN
Camp 11 mm Aselha + ½ Pescador duplo41 cm 563 daN
Camp 9 mm Aselha + ½ Pescador duplo61 cm 610 daN
Camp 9mm Aselha + ½ Pescador duplo38 cm 593 daN
Beal Verdon II 9mm Aselha + ½ Pescador duplo60 cm 590 daN
Beal Verdon II 9mm Aselha + ½ Pescador duplo60 cm 567 daN
Beal Ice Line 8.1mm Aselha + ½ Pescador duplo54 cm 616 daN

Duas longes conectadas na ancoragem, que participem juntas no momento da queda

Corda Nós Tamanho FQ Força
Camp 11 mm Costura + Costura60 cm995 daN
60 cm992 daN
Jane 11 mm Aselha + Costura60 cm805 daN
60 cm830 daN
Beal Verdon II 9 mmAselha + Aselha49 cm666 daN
49 cm664 daN
Beal Verdon II 9 mm Aselha + ½ Pescador Duplo54 cm740 daN
52 cm609 daN

Sugestão de configuração

A longe sugerida é, portanto, construída com corda dinâmica (nova e de boa qualidade) de diâmetro próximo à 9mm. O nó central, atado à malha rápida meia-lua do harnês, pode ser o oito ou o aselha e, para os nós nas extremidades, sugere-se o meio pescador duplo. Os mosquetões devem ser assimétricos (tipo “D”), com gatilho reto maciço, sem trava e ponta key lock. Os ajustes à morfologia devem garantir que o espeleólogo acesse de maneira confortável os fracionamentos com a ponta curta durante à ascensão. Para a ponta longa, deverá  alcançar o mosquetão se estiver pendurado. Para garantir um perfeito ajuste e sobra ideal nas pontas (7 cm), é aconselhável que a regulagem das sobras seja feito sob tensão, isto é, colocando peso do corpo e ajustando alternadamente.

Bibliografia

  • Testes realizados pela FFS em 2006 no laboratório da École Nationale de Ski et d’Alpinisme em Chamonix. Disponível em: <http://www.cqpcordiste.fr/upload/campagne_juin2006_tests_longes.pdf>. 
  • Manual Técnico de Espeleologia da École Française de Spéleologie — FFS 2013.
  • Manual de Técnicas Espeleologia Alpina — Desnível nº 46 de 2000.